quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O companheiro dos anjos



Quando Benjamim Paixão atingiu as bodas de prata com a filosofia consoladora dos Espíritos, experimentou indizível amargura.

Vinte e cinco anos de casamento com o Espiritismo Cristão e ainda se reconhecia impossibilitado de partilhar-lhe os serviços.

Em seu modo de ver, fora defrontado, em toda a parte, pela imcompreensão, pelo desengano e pela discórdia.

Jamais pudera firmar-se em agrupamento algum.

Em razão disso, nessa noite, ao invés de procurar o clube, segundo o velho hábito, dirigiu-se a certa instiyição, em que pontificavam à boa vontade e a dedicação de melásio, venerando guia espiritual.

Depois da prece de abertura dos trabalhos e quando o abnegado amigo inveisível passou a comandar a assembléia, por intermédio de uma senhora, Benjamim exclamou em voz súplice:

- Melásio, a data de hoje assinala o vigésimo quinto aniversário de meu ingresso na Doutrina. Prestimoso irmão, oriente-me, ensine-me! Onde encontrarei a comunidade que se afine comigo?Onde estão aqueles com os quais devo realizar a tarefa que me cabe?

A entidade benevolente meditou alguns minutos e acentuou, sem qualquer sinal de reprimenda:

- Vinte e cinco anos no Espiritismo Evangélico, sem trabalho definido, é condição muito grave para a alma.

E modificando o tom da voz observou!

- Benjamim, alguns passos além de seu lar, há um templo de caridade...

Paixão interceptou-lhe a palavra e clamou:

- Já sei. É um posto avançado de personalismo em dissidências constantes. Entre os que ali ensinam e aprendem, não se sabe qual o pior.

O guia refletiu, por instantes, e obtemperou:

- Dentre seus amigos você tem o Pereira, que vem trabalhando, com valor, a benefício dum orfanato...

O interlocutor aparteou irreverente:

- Ah! Pereira! nunca vi homem mais agarrado ao dinheiro. É avarento sórdido.

Melásio não se deu por aborrecido e aventou:

- Nãosei se já entrou em contato com os serviços de Dona Soledade, a estimada médium da pobreza. Reside justamente no caminho de sua repartição...

Benjamim fixou um gesto de enfado e desabafou:

- Dona soledade mata a paciência de qualquer um. É mulher despótica e arbitrária. Não possso entender a sua referência.

O benfeitor silenciou, por momentos, e voltou a dizer:

- O irmão carvalho, seu vizinho, organizou interessantes atividades de cura para obsediados.

Quem sabe...

Paixão contudo, alegou, irônico:

- O Carvalho é homem de moral duvidosa. É mesmo incrível não se saiba, na vida espiritual, que ele possui mais de uma família.

O guia porém, considerou com a mesma calma:

- A senhora Silva, não longe de sua residência, vem protegendo os velhos de um asilo e ...

- Aquela dama é um poço de vaidade - atacou-lhe Benjamim, intempestivo - ,entrincheirou-se dentro do próprio "eu" e não aceita a cooperação de ninguém.

O tolerante amigo ponderou então:

- Em seu trabalho você conhece o Ladeira, que mantém valioso culto doméstico do Evangelho, junto ao qual muitos doentes encontram alívio...

- O Ladeira? - gritou Paixão, sarcástico. - Aquilo é a petulância em pessoa. Absorveu o Espiritismo todo. A Doutrina é ele só.

Com invejável bondade, o condutor da reunião interrogou cristãmente:

- Conhece você as sessões do Soares, em seu bairro?

- Há muito tempo - redarguiu, azedamente, o descortês visitante. - Soares é um espertalhão. Quando os guias da casa não aparecem, dispõe-se a substituí-los, sem qualquer escrúpulo. Vive de infindáveis trapaças, morando num palácio, à custa da ingenuidade alheia.

Nesse ponto do diálogo, Melásio entrou em profundo silêncio, e, não se acreditando vencido na argumantação, Benjamim voltou a pedir em voz enternecedora:

- dedicado amigo, ajude-me! Preciso trabalhar e progredir na obra da verdade e do bem. Não me negue as diretrizes necessárias!...

O benfeitor, contudo, embora se mostrase sorridente, respondeu com inflexão e energia:

- Paixão, ofereci a você sete sugestões de trabalho que foram recusadas. Segundo os ensinamentos de que dispomos, o remédio se destina ao doente e o socorro àqueles que o reclamam pela posição de ignorância ou sofrimento. O espiritismo solicita o esforço e o concurso dos homens de boa vontade e de entendimento fraternal que se amparam uns aos outros; entretanto, ao que me parece você é o companheiro dos anjos e os anjos, meu amigo, estão muito distanciados de nós. É provável possamos colaborar no roteiro de ação para seu espírito, contudo, é mais razoável que você nos procure quando tiver duas asas.


(Extraído do Livro "Contos e Apólogos", ditado pelo Espírito de Irmão X a Francisco Cândido Xavier. 1967)