Quando Benjamim Paixão atingiu as bodas de prata com a filosofia consoladora dos Espíritos, experimentou indizível amargura.
Vinte e cinco anos de casamento com o Espiritismo Cristão e ainda se reconhecia impossibilitado de partilhar-lhe os serviços.
Em seu modo de ver, fora defrontado, em toda a parte, pela imcompreensão, pelo desengano e pela discórdia.
Jamais pudera firmar-se em agrupamento algum.
Em razão disso, nessa noite, ao invés de procurar o clube, segundo o velho hábito, dirigiu-se a certa instiyição, em que pontificavam à boa vontade e a dedicação de melásio, venerando guia espiritual.
Depois da prece de abertura dos trabalhos e quando o abnegado amigo inveisível passou a comandar a assembléia, por intermédio de uma senhora, Benjamim exclamou em voz súplice:
- Melásio, a data de hoje assinala o vigésimo quinto aniversário de meu ingresso na Doutrina. Prestimoso irmão, oriente-me, ensine-me! Onde encontrarei a comunidade que se afine comigo?Onde estão aqueles com os quais devo realizar a tarefa que me cabe?
A entidade benevolente meditou alguns minutos e acentuou, sem qualquer sinal de reprimenda:
- Vinte e cinco anos no Espiritismo Evangélico, sem trabalho definido, é condição muito grave para a alma.
E modificando o tom da voz observou!
- Benjamim, alguns passos além de seu lar, há um templo de caridade...
Paixão interceptou-lhe a palavra e clamou:
- Já sei. É um posto avançado de personalismo em dissidências constantes. Entre os que ali ensinam e aprendem, não se sabe qual o pior.
O guia refletiu, por instantes, e obtemperou:
- Dentre seus amigos você tem o Pereira, que vem trabalhando, com valor, a benefício dum orfanato...
O interlocutor aparteou irreverente:
- Ah! Pereira! nunca vi homem mais agarrado ao dinheiro. É avarento sórdido.
Melásio não se deu por aborrecido e aventou:
- Nãosei se já entrou em contato com os serviços de Dona Soledade, a estimada médium da pobreza. Reside justamente no caminho de sua repartição...
Benjamim fixou um gesto de enfado e desabafou:
- Dona soledade mata a paciência de qualquer um. É mulher despótica e arbitrária. Não possso entender a sua referência.
O benfeitor silenciou, por momentos, e voltou a dizer:
- O irmão carvalho, seu vizinho, organizou interessantes atividades de cura para obsediados.
Quem sabe...
Paixão contudo, alegou, irônico:
- O Carvalho é homem de moral duvidosa. É mesmo incrível não se saiba, na vida espiritual, que ele possui mais de uma família.
O guia porém, considerou com a mesma calma:
- A senhora Silva, não longe de sua residência, vem protegendo os velhos de um asilo e ...
- Aquela dama é um poço de vaidade - atacou-lhe Benjamim, intempestivo - ,entrincheirou-se dentro do próprio "eu" e não aceita a cooperação de ninguém.
O tolerante amigo ponderou então:
- Em seu trabalho você conhece o Ladeira, que mantém valioso culto doméstico do Evangelho, junto ao qual muitos doentes encontram alívio...
- O Ladeira? - gritou Paixão, sarcástico. - Aquilo é a petulância em pessoa. Absorveu o Espiritismo todo. A Doutrina é ele só.
Com invejável bondade, o condutor da reunião interrogou cristãmente:
- Conhece você as sessões do Soares, em seu bairro?
- Há muito tempo - redarguiu, azedamente, o descortês visitante. - Soares é um espertalhão. Quando os guias da casa não aparecem, dispõe-se a substituí-los, sem qualquer escrúpulo. Vive de infindáveis trapaças, morando num palácio, à custa da ingenuidade alheia.
Nesse ponto do diálogo, Melásio entrou em profundo silêncio, e, não se acreditando vencido na argumantação, Benjamim voltou a pedir em voz enternecedora:
- dedicado amigo, ajude-me! Preciso trabalhar e progredir na obra da verdade e do bem. Não me negue as diretrizes necessárias!...
O benfeitor, contudo, embora se mostrase sorridente, respondeu com inflexão e energia:
- Paixão, ofereci a você sete sugestões de trabalho que foram recusadas. Segundo os ensinamentos de que dispomos, o remédio se destina ao doente e o socorro àqueles que o reclamam pela posição de ignorância ou sofrimento. O espiritismo solicita o esforço e o concurso dos homens de boa vontade e de entendimento fraternal que se amparam uns aos outros; entretanto, ao que me parece você é o companheiro dos anjos e os anjos, meu amigo, estão muito distanciados de nós. É provável possamos colaborar no roteiro de ação para seu espírito, contudo, é mais razoável que você nos procure quando tiver duas asas.
(Extraído do Livro "Contos e Apólogos", ditado pelo Espírito de Irmão X a Francisco Cândido Xavier. 1967)